domingo, 15 de abril de 2007

Passagens

"De uma maneira geral, devo confessar que tenho dificuldade em falar de mim mesmo. Passo a vida a tropeçar no eterno paradoxo do quem sou eu? Claro está que, no que toca a factos concretos, não há ninguém no mundo que saiba tanto sobre mim como eu. Contudo, quando falo a nível pessoal sobre todo o género de factores, desde valores a padrões, as minhas próprias limitações levam-me (...) a escolher e eliminar coisas a meu respeito. Angustia-me pensar que o retrato por mim aqui traçado possa não ser particularmente objectivo. Sempre me angustiou.
Não me parece que a maioria das pessoas partilhe deste tipo de angústias. As pessoas aproveitam todas as oportunidades para falarem de si mesmas com uma sinceridade espantosa. Dizem coisas do género: «Sou de tal maneira franco e honesto que até parece mal», ou então: «Sou demasiado vulnerável e tenho problemas no relacionamento com os outros», ou ainda: «Tenho muito jeito para compreender os sentimentos dos outros.» Contudo, houve muitas vezes em que vi pessoas que se diziam «vulneráveis» magoarem outras sem motivo aparente. Vi pessoas com um perfil «franco e honesto» usarem desculpas esfarrapadas para obterem o que desejavam a qualquer preço. Quanto àqueles que têm um jeito especial para compreender os verdadeiros sentimentos dos outros, vi-os deixarem-se enganar pela forma mais grosseira de lisonja. Tudo isto me leva a fazer a seguinte pergunta: que sabemos, na realidade, de nós mesmos?"


Haruki Murakami in "Sputnik, meu amor"

Nenhum comentário: