segunda-feira, 17 de julho de 2006

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Acordas com a má disposição de quem se acabou de deitar. Olhas-te ao espelho e vês a mulher de todos os dias. A cara de todos os dias. O cansaço de todos os dias. E de todas as noites. Diriges-te à cozinha e preparas o teu pequeno almoço. Que, possa embora ser muito diferente, te sabe sempre ao mesmo. Ou melhor, que a nada te sabe.
Sais de casa, entras no carro, vais trabalhar. Passa por ti, como sempre, a paisagem linda que tens a sorte de te rodear. Não a vês sequer. Acho que fazes questão de não a ver, de não a sentir, para que assim não te possas dar esse pequeno privilégio.
Ai... lembras-te agora que te dói a cabeça. Ontem doía-te a barriga. E amanhã, já sabes, vai doer-te outra coisa qualquer.
Passa-te o dia a correr. Mecânico. Perdes a noção dos minutos pelo meio dos papéis. Acho que é a parte do dia que mais gostas. Aquela em que não te lembras que és alguém, que é suposto seres alguém.
Voltas a casa ao final do dia. Passou-te a dor de cabeça mas sentes-te pesada, cansada. E amanhã, já sabes, vais sentir outra coisa qualquer. Dás um jeito à casa, à roupa, ao jardim. Preparas o jantar. Tomas um banho para relaxar. Jantas só. Metida com os teus pensamentos de solidão. Alegras-te um pouco porque daqui a nada estás sentada no sofá a ver as tuas novelas. Choras, ris, sofres com as vivências difíceis das personagens. Emocionas-te com o beijo quente de uma paixão sempre adiada. Odeias a mulher maquiavélica que faz o mal para seu bem.
Como é possível viveres assim? Como consegues?
Vives uma não-vida. Ou não a vives? Sei lá... Sei apenas que não existes por medo. E sei também que são as novelas e as vidas dos que te são mais próximos que enchem a tua vida. Vibras com os seus sonhos e ilusões. Choras com as suas desilusões...
E tu? Quando vais começar a preencher-te com a tua vida? Qual vida?
Acho que nunca amiga... E custa-me tanto porque gosto de ti...
Acho que nunca... amiga.

Um comentário:

fiona bacana disse...

E como a sociedade valoriza esta gente, como valoriza...robotzinhos adoráveis, consomem o que querem que eles comam, reproduzem comportamentos como que por imitação inconsciente...
enfim. a corrupção do carácter é abrangente e ataca-nos a todos. Só que uns mais conscientes do que outros...