terça-feira, 23 de maio de 2006

Variações teatrais

São dez da noite. Entrámos na igreja. Sente-se o cheiro forte do incenso e a penumbra do interior é cortada pela luminosidade das velas. Muitas velas em castiçais altos e gastos. Notas de Mozart ecoam. Nas paredes, projecções de labaredas. Sentamo-nos nos bancos seculares. Duros e frios.
Sinto-me maravilhada, quase no interior do Eyes Wide Shut, do Kubrick.
Entram em cena os actores. Dois. Que começam um monólogo alternado.
Quinze minutos depois começo a ver os primeiros bocejos. As primeiras distracções. Eu própria sinto dificuldades em manter-me atenta mais de três minutos seguidos. Começo a observar os outros. Tentando, com isso, comer o tempo avidamente.
O velhinho que vai fechando os olhos constantemente, sempre resistindo. Até que não aguenta mais. Desconfio que dormitou até ao final da peça. A criança que brinca com as mãos, os pés, os cabelos. Deita-se sobre o colo da mãe e assim fica. A mulher que finge, com a mão sobre a testa, que está a pensar profundamente. O meu amigo que olha para mim com ar de enfado ao que respondo com risos abafados pela enormidade do recinto.
E assim me mantenho. Até ao final que, finalmente chega. Sinto ainda o alívio colectivo. Parcas palmas. Acho que de agradecimento pelo términus da peça.
Saímos e estamos rodeados de labaredas. Estas agora verdadeiras. Belas e grandiosas.
Sinto o cheiro puro e fresco da noite.
Iniciei uma viagem misteriosa e bela, caminhei arduamente sem encontrar o caminho (e que grande caminho) e, merecidamente, respiro o ar da liberdade.

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