"Éramos levianos por militância, sobretudo as raparigas. Para acabar de vez com o fúnebre baptismo erótico dos rapazes da nossa geração, que ainda se processava em casas de passe, deitávamo-nos com eles ao fim dessas longas madrugadas em que mudávamos o mundo. Lembro-me de pensar, às vezes, a meio do acto: «Se é isto a liberdade, porque é que me sinto tão triste e contrariada? Porque é que não recuso este hálito de que não gosto? Este corpo flácido e sem beleza?» Mas a voz doutrinal da minha consciência reprimia de imediato estas inclinações individualistas, recordando-me que os feios também têm direito aos prazeres da Terra e que eu não podia ceder aos paradigmas burgueses da comparação, e muito menos aos parâmetros estéticos que tinham estado na origem dos horrores nazis."
Inês Pedrosa in "Nas tuas mãos"