"(...) Flitcraft é um indivíduo absolutamente convencional - um marido, um pai, um homem de negócios de sucesso, uma pessoa sem a menor razão de queixa. Certa tarde, sai para almoçar e uma viga cai de umas obras no décimo andar de um prédio e por pouco não aterra em cima da sua cabeça. Mais uns centímetros e Flitcraft teria sido esmagado, mas a verdade é que a viga não acerta nele, e, tirando um estilhaço do passeio que, sob o impacto, o atinge no rosto, Flitcraft sai do acidente perfeitamente ileso. Contudo, o facto de ter escapado à morte por um triz provoca nele um choque violento, de tal forma que não consegue deixar de pensar no caso. Como escreve Hammett: «Ele sentia-se como se alguém tivesse retirado a tampa que oculta a vida e o tivesse deixado ver toda a engrenagem». Flitcraft dá-se conta de que o mundo não é o sítio equilibrado e ordenado que pensava que era, dá-se conta de que sempre vira o mundo completamente às avessas, de que nunca compreendera nada de nada. O mundo é governado pelo acaso. O aleatório ronda a presa que nós somos, todos os dias das nossas vidas, e essas vidas podem ser-nos roubadas a qualquer momento - por razão rigorosamente nenhuma. (...)"
Paul Auster in "A noite do oráculo"
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