segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

Passagens

"Abri o ferrolho depois de ter espreitado pelo buraco de vigia. Estava pendurada nas meias de nylon. Estava já roxa, os olhos revirados. Arranquei-lhe as meias à dentada. Estavam tão apertadas que os meus dedos não conseguiam desatar aquela coisa. Teve de ser à dentada. Salvou-se. Começou aí uma relação, eu não digo de amizade, porque eu sou guarda, mas percebe? Bom, ela começou a dar-me cartas para pôr no correio, para o companheiro. Depois deixava cartas na minha mesa e eu percebi eram as respostas. Ela simulava o correio que ia receber. E eu sei que não devia ter entrado no jogo, mas o que é que quer? Fez-me pena. Uma mulher que com a mão direita escreve cartas a um homem que não existe e com a mão esquerda, numa letra diferente, escreve as cartas de resposta para si própria. É de tristeza infinita, não é?"

Patrícia Reis in "Morder-te o coração"
Dom Quixote, 2007

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