sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010



Quando me apareceste à porta, assim, lavado de chuva e de lágrimas e com aquela ausência de olhar como se não estivesses cá, e me disseste, tão baixinho que as tuas palavras se confundiam com os pingos que se dissolviam no chão, ele morreu, apeteceu-me abraçar-te e embalar-te e aquecer-te com um cobertor e café a ferver.
Ele morreu, repetias tu entre soluços incontidos. E o teu olhar estava morto, tão morto quanto ele, tão escuro quanto o escuro do céu.
Não sabia o que dizer para te apaziguar as emoções. Podia, é certo, dizer meia dúzia de clichés que não deixam, por isso, de ser verdades, do género a vida é assim (e, já agora, a morte também), se calhar ele está melhor agora, encontrou a paz, é a sina de todos nós, etc. e tal. Mas não to disse. Porque se fosse comigo dir-te-ia que tudo isso é verdade mas tudo isso não me faria sentir melhor.
Ao invés, coloquei música. Calma, quase silenciosa, uma presença que não está lá.
Deixei que fechasses os olhos e chorasses a tua dor. Acariciei-te o cabelo numa cumplicidade desafectada. Acompanhei-te nessa viagem de perda e saudade do que nunca aconteceu. Passaram muitos minutos. Tempo roubado ao tempo. Olhaste-me e já encontrei vivalma dentro de ti. Despi-te e coloquei-te dentro de mim. Nesse momento a morte morreu.

2 comentários:

margarida disse...

Demasiado bonito, demasiado bem escrito. Senti cada palavra: é assim que avalio a qualidade do que leio.
Um beijo.

Sol disse...

Muito obrigada!
Um beijo