sábado, 26 de setembro de 2009

Excertos

"Enquanto me juntava à fila de carros que esperavam, recordei a nossa infância na Arábia Saudita, vinte anos antes, e as revistas arbitrárias que a polícia religiosa fazia aos carros nas semanas que precediam o Natal. Que procuravam aquelas zelosas mãos? A mais pequena gota de álcool festivo, claro, mas até uma simples folha de papel de embrulho, com os seus sinistros símbolos natalícios de azevinho e hera. Eu e o Frank sentávamo-nos no banco traseiro do Chevrolet, apertando contra o peito os comboios eléctricos que só seriam embrulhados minutos antes de abrirmos as caixas enquanto o Pai discutia com os polícias no seu árabe sarcástico e profissional, perturbando a Mãe, que era muito nervosa.
Contrabando era uma actividade que tínhamos praticado desde tenra idade. Os rapazes mais velhos do Colégio Inglês de Riade falavam entre si de um intrigante e misterioso mundo de vídeos clandestinos, drogas e sexo ilícito. Mais tarde, quando regressámos a Inglaterra depois da morte da nossa mãe, percebi que aquelas pequenas conspirações tinham servido para manter juntos os expatriados britânicos, dando-lhes um sentido de comunidade. Sem as ligações e as expedições de contrabando, a Mãe teria deixado o escorregadio mundo escapar-se-lhe das mãos muito antes da trágica tarde em que subiu ao telhado do Instituto Britânico para fazer o seu curto voo até à única segurança que conseguiu encontrar."

J.G. Ballard in "Noites de Cocaína"

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