quarta-feira, 22 de julho de 2009

Crónica dos Medos


A minha preocupação vai aumentando, galopantemente, à medida que se aproximam os dias compridos de Verão. Não é que não goste dessa estação fresca e viçosa como só ela o é. O grande problema é que com o Verão chegam também esses especimens tão estranhos quanto familiares, os nossos maravilhosos emigrantes.
(Não tenho nada contra os emigrantes propriamente ditos, gente corajosa que se aventura à procura de uma vida melhor. Aliás, eu própria sou um projecto de emigrante, só não o sendo verdadeiramente porque não calhou. Tivesse-me sido dada a oportunidade e seria eu uma orgulhosa emigrante portuguesa, concerteza.)
O busílis da questão prende-se com os hábitos que os emigrantes adquirem no seu mais recente habitat (sim, porque quando eles partiram não podiam ser assim! Não, não eram assim). Há qualquer coisa nos novos ares que lhes entra pela mioleira, eles vão interiorizando aquilo e depois apresentam-se-nos (lá está, no Verão) em termos que não lembram a ninguém.
A mulher emigrante, tipicamente encorpada, fez uma permanente apertada no cabelo oxigenado, mas deixando sempre umas raízes escuras, talvez para não se esquecer de quem um dia foi. Pinta as unhas de rosa choque mas, tendo eventualmente necessidade de provar que é uma verdadeira emigrante, e não uma dondoca aburguesada, deixa o verniz descascar, mostrando assim lascas de unha por pintar. Usa roupas em tons amarelo, verde alface, laranja e, quando a ocasião o exige, um dourado discreto. Deu aos filhos o nome de Linda Vanessa e António José, mas trata-os carinhosamente por Vavá e Toni.
O homem emigrante, assim que chega à terra, vai pousar a sua barrigona na mesa da tasca do Ti João e, entre uns cachaços e uma salada de polvo, vai contando aos amigos peripécias e novidades do estrangeiro, trocando com eles as mais recentes piadas onde conseguem encaixar as mulheres.
As manchas de suor alastram na camisa branca riscada de vermelho (ah, o meu Benfica qualquer dia ainda me mata do coração!!) e os seus parcos cabelos foram milimetricamente penteados e enlacados, da esquerda para a direita, numa tentativa totalmente falhada de disfarçar a careca, coisa, alias, que só o próprio é que parece não perceber.
Multiplique-se agora esta amostra por dúzias de famílias que chegam atulhadas de malas e saudades e sotaques e novidades e compreenda-se este meu temor crescente.
Ai, o Verão está mesmo aí.

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